quinta-feira, outubro 06, 2005

Interrupção voluntária da lucidez

Sem o limiar da alma,
permanecemos límpidos, como lençóis de cloro subterrâneos,
pálidos, ainda no instante em que surpreendemos
uma ponta do susto original que nos separa da pedra, do vento
e da poeira sua simbiose.

Mas é por ser eu e não nós quem aqui pode ser,
que descubro e aceito a simbiose às coisas sempre aquém do limiar:
um momento de interrupção
que num momento me apaga e reconstrói.
Pensei ver-me desaparecer, fluir através do mundo
como se chamasse irmão ao chão que porventura pisasse.

Porventura, era antes o próprio chão quem me chamava irmão:
é difícil ver claro quando a alma se dissolve
e tão ténue é ela, que num instante tudo robotiza-se
e o estranhamento desta palavra é o seu próprio sentir-se
e um incomensurável espaço entre eu e nós faz-se.

Mas foi só um instante:
aqui, sempre soube que o nós tem de ser,
precisamente por só poder ser eu quem aqui pode ser.

bruno ribeiro de almeida