sexta-feira, dezembro 16, 2005

de profundis

primeiro foi o grito primordial

cem éguas saracoteiam

“sob as estremecidas estrelas”

ao bordão de uma guitarra

entre as coxas de cobre

e a acústica do vinho


na casa cinza estão os tantos

os mitos, arete

Caos, Gaya, Eros e Tártaro,

Érebo e Urano, Zeus e Cronos

ainda fascinados com o raio dos dedos


mas dormem para sempre nas nuvens da grande montanha os titãs

“gente com o coração na cabeça”

“e os que te seguiram pelas ruelas escuras”


nas torres negras dos edifícios brancos

canta um vento como sino

tocando bêbado com a unha

o vento amarelando o eco das ruas

destinadas a ser testemunhas mudas

e apenas vela empurrada a esmo pela proa

nave como o pó verde sobre o espelho verde

que se move


na torre branca dos edifícios negros

está o cara que fugiu

a lente nos olhos mirando a foice que o pariu

e os versos não escorrem na calçada

esguichado pela jugular

não se perde nada


“en la casa se defienden

de las estrellas”

Ares, derrotado novamente por Atena?

espiralando-se em vão as brumas pentagonais

sua voz na ilha deserta

seu pelo em praça pública

seu oco nos jornais

e o que dói


no entanto – quimeras são todos os dias

- o basalto do céu da cidade é chumbo

- fuligerme se procria no pó do medo

e o diabo é profundo


portanto, pode vir com velhas fotografias

no amarrotado jornal de ontem

já pus veneno na fonte

deletei a próxima aurora

desmaiei risos no horizonte

e furtei o agora