sexta-feira, outubro 28, 2005

Blues para os que ficaram dormindo


apenas para deixar as coisas claras

sou dos que assinam em baixo

o que faço, acho e cato

minha bala tem um nome

e milhares de alvos

se minha alma é apócrifa

é porque aqui cauvo

o couro come


apenas para deixar as coisas claras

tom waits com seu piano bêbado

no final da noite

e um litro de bourbon


nenhum trato ou côrte

nem cristão nem tao

franco atirador

“Cuspo no olho

do bem e do mal”


minha loucura

anos despertando

no crisol


apenas

para deixar

as coisas

claras

no crisol

segunda-feira, outubro 24, 2005

terça-feira, outubro 18, 2005

Sobre todas as coisas

não sou eu no fundo da sala
com a garrafa na mão
não sou eu
esse que você vê amargo
azedo e cozido no sal
não sou eu espalhando vírus
armado e sozinho
cuspindo no chão
não sou eu
do outro lado do espelho
dentro do litro sobre o balcão
esse que você vê boçal e sedentário
não sou eu fingindo calma ou tensão
é apenas uma outra coisa
adiando ser real

segunda-feira, outubro 17, 2005

Humor e dor

Quem ainda carrega
as pedras de Sísifo
remido
do sítio

E amontoa
num quadro do canto
na passagem da garganta
o nó

Quem carrega ainda
o Midas reunido
à dura verba
do verso
óbvio

Se montanhas
vêm e vão
silenciosas
e efêmeras
no halo
da vida

By João L. Fante

sexta-feira, outubro 14, 2005

quatro razões para duvidar

soa de fato assim:

grama – grão – à cor de creme;

à placa desassombrada, limite entre senso, senha

e o que se parece com o oeste das coisas giratórias.

cheira, de fato assim: à nuvem, às tardes de chuva e relógios

rabiscos de água pingando poças centrífugas e centrípetas.

de fato se observa: o núcleo do joio é de trigo:

aos plenos percalços, aos jogos e às máscaras.

aos sapos o pulo na gota de chuva

aos homens enchente de desejos e medo

às tribos a larva do pão e do vinho

dança comum à reciclagem, à flexibilidade somática,

aos meios oxidantes, aos gases, aos ácidos.

de fato ásperos véus na urdidura: às frestas, aos buracos,

aos fios, às pedras, à lava congelada pelos séculos contados em detalhe:

primeiro

grama é verde até quando a vaca caga.

se grama almeja ser creme, vale o grão.

a placa já prova quase nada.

segundo

o saber tem cheiro e sabor

cada um é um círculo na espiral d’água

um pote de ouro no fim do arco-íris é crime

terceiro

o começo justifica o fim, dizia o velho zen.

a merda justifica a fome, afirmava.

a imaginação justifica o universo, pregava

quarto

um quadro não precisa ser verdadeiro

nem suas cores, sua textura, e muito menos

o cheiro da tinta que mascara gotas uterinas

oncofilia poética


à remota noção

do cal

e o giro da água

e do fogo

à mulher nua

sob o pedestal

do filho

e do pai

ao vórtice da terra

e do ar – madeira crua

que se planta

e se cultua

- sistêmica lida

à quem em sódio fervilha

escrevo:

Brinquedo de deus na boca do cachorro

João L. Fante

Pequena e magra. Tão pequena que parecia um desenho animado. Uma menininha, mas com cara de mulher feita. Uma bundinha gostosa, peitinhos quase invisíveis sob a bata indiana, cabelos longos, castanhos avermelhados. Vestia roupas power’s flowers como aqueles malárias e artenóides que andam por aí vendendo brinquinhos e pulseiras feitas com arame de cobre e pedrinhas de plástico. Chegou acompanhada de um cabeludo magro, alto e bunda-mole, três filhos, dos quais dois de colo e um de aproximadamente três anos. Instalou acampamento no Psicodália e ficou por lá, tomando vinho vagabundo com coca e muita maconha.

Piscodália é uma espécie de festival independente com muito sexo, drogas e rock’n roll, que acontece paralelo ao festival de inverno. Chega a ter mil pessoas acampadas duas semanas dentro de um barracão, com quilos de maconha e muita bebida da pior qualidade.

Quando todo mundo foi embora, ela pediu ao proprietário do barracão para ficar acampada no pátio mais alguns dias. Depois, vencido o prazo que o proprietário concedeu, de quinze dias, mudou-se com as crianças e o obscuro e calado companheiro para o velho e abandonado prédio do Mercado Municipal. Passava todos os dias na rodoviária, vendendo seu pobre artesanato, e deixava as crianças no velho mercado.

O problema começou porque o prédio do Mercado era – e ainda é - usado por uma cambada de torrados conhecidos como turma do litro e os vagabundos da cidade, que fazem ali todas as suas necessidades fisiológicas: cagam, mijam, dão o cú, etc. As crianças ficavam engatinhando lá dentro, lambuzando-se e comendo merda, o dia inteiro, todos os dias, enquanto a mãe procurava bater o recorde de tempo chapada, fumando um brown, cheirando loló e tomando a pior cachaça que já vi na vida, uma tal de “zorro”, que não vale os 50 centavos, o litro, cobrados pelos comerciantes do local.

Foram os próprios comerciantes da feira-mar que deduraram a hipinha para o Conselho Tutelar. Os conselheiros mais a assistente social da prefeitura, uma deliciosa loira chamada Franceline que vivia com um advogado gago (numa cidade pequena todo mundo é transparente; você fica sabendo todos os detalhes da vida de cada um e a privacidade é quase impossível), recolheram os pirralhinhos encardidos de merda e os encaminharam para a Casa de Passagem, onde estão até hoje, limpos e bem alimentados.

Um dia, eu a vi de perto, na porta da cozinha da prefeitura. Vestia uma dessas calças de cós tão raso quanto insuficiente para esconder os pentelhos e o rego da bunda. Apesar de magra e tão pequena, a hipinha tinha enormes estrias no ventre, sinal de muitos partos, e muita cicatriz pelo corpo todo. Mas era muito bonita de rosto. Não combinava com ela, o rosto, esteticamente desproporcional ao corpo tão mirrado. No todo, parecia uma dessas sacanagens da natureza, um brinquedo de deus na boca do cachorro. Nos olhos, brilhava uma vida que conhecia absolutamente a besta-fera rugindo no seu cangote. Era disso que fugia na chapação, e estava sendo derrotada, como todos nós.

Eu a observava de longe, desde o dia em que armou acampamento no Psicodália. Mas não quis saber a sua história. Mesmo porque, ultimamente andava com baixa capacidade para admitir o verbo tolerar e atirando com pesado calibre - ela mantinha-se longe de mim como o diabo da cruz. Mas eu sabia que era uma das nossas. Já havia identificado, de longe, o sinal que nos põe diretamente na estrada.

E foi aí que eu percebi novamente: a dor não pára, nunca.

Foda-se

Vivo numa cidade do litoral em que poucas pessoas vão para o mar. Na beira de uma baía belíssima, cheia de vida, selvagem, com centenas de ilhas interessantes e sossegadas, no entanto, o povo prefere o centro histórico - e sua secular decadência - onde se reúne e onde estão os bares e as praças. Na bela orla marítima quase nunca tem gente. Um trapiche deserto, uma praia vazia, é o que se vê.

Com tudo isso, a hipinha conseguiu sair para o mar. Só que, o barqueiro era muito mais lock do que ela e tinha um grande histórico de acidentes marinhos por desconhecer totalmente os baixios, os locais onde havia pedras quase à flor d’água – não tinha noção do tempo das marés, luas, ventos, essas coisas que acho que marinheiro deve saber, e ainda por cima estava sempre embriagado, cozido, torrado, com a pior cachaça que já provei na vida, a tal de “zorro”. Aquilo é ácido sulfúrico da melhor qualidade.

Tinha que dar cagada mesmo. Acrescente-se a isso o fato de ser um dia de vento forte, frio, chuva fina e persistente.

Quando os bombeiros chegaram, o barqueiro estava boiando com o colete salva-vidas. O barqueiro contou para os bombeiros que ela estava perto de uma ilha, onde ocorreu o naufrágio. Os bombeiros socorreram o cara e nem foram procurar a menina. Mas no outro dia, ela estava novamente tomando café de graça na cozinha da prefeitura. Notei que estava diferente. Havia uma fulgência nova no olhar. Um véu de lágrima malsinando a dor cobria a sua íris. Parecia mais velha, mas mais forte. Disposta a encarar de novo o bicho nos olhos e dizer: foda-se!

terça-feira, outubro 11, 2005

MINHA LOUCURA

Charles Bukowski

Existem graus de loucura, e por mais louco que você seja, mais óbvio será para as outras pessoas. A maior parte da minha vida eu escondi minha loucura dentro de mim, mas ela está lá. Por exemplo, algumas pessoas falarão para mim sobre isso ou aquilo e enquanto essas pessoas estão me entediando com suas generalidades banais, eu irei imaginá-las com a cabeça, dele ou dela, descansando sob a guilhotina, ou vou imaginá-las em uma enorme frigideira, fritando, enquanto me olham com seus olhos assustados. Em situações reais como essas, eu provavelmente tentaria um resgate, mas enquanto elas estão falando comigo eu não consigo imaginar isso. Ou, com um humor melhor, eu poderia imaginá-las andando de bicicleta longe de mim. Eu simplesmente tenho problemas com seres humanos. Animais, eu amo. Eles não mentem e raramente tentam atacá-lo. Às vezes eles são espertos, mas isso é permitido. Por quê?

A maioria da minha juventude e vida adulta foi em quartos minúsculos, confortável, olhando as paredes, as sombras rasgadas, as maçanetas dos armários. Eu sabia da fêmea e a desejava, mas eu não queria tentar atravessar as dificuldades para consegui-la. Eu sabia do dinheiro, mas de novo, como com a fêmea, eu não queria fazer as coisas necessárias para consegui-lo. Tudo o que eu queria era suficiente para um quarto e para algo para beber. Eu bebia sozinho, geralmente na cama, com todas as persianas fechadas. Às vezes eu ia aos bares checar os tipos, mas os tipos eram os mesmos – não muito e freqüentemente menos do que aquilo.

Em todas as cidades, eu conferi as bibliotecas. Livro depois de livro. Poucos livros disseram algo para mim. Eles eram, na maioria, poeira na minha boca, areia no meu pensamento. Nenhum se relacionava comigo ou com o que sentia: onde estava - nenhum lugar - o que tinha – nada – e o que queria – nada. Os livros do século somente eram feitos do mistério de ter um nome, um corpo, andando, falando, fazendo coisas. Ninguém parecia preso com a minha loucura particular.

Em alguns dos bares eu fiquei violento, havia brigas nos becos, a maioria perdi. Mas eu não estava brigando com ninguém em particular, eu não estava bravo, eu só não entendia as pessoas, o que elas eram, o que faziam, como elas pareciam. Eu ia preso e saía, era despejado dos quartos. Dormia em bancos de praça, em cemitérios. Eu estava confuso, mas não era infeliz. Não era depravado. Só não conseguia entender nada do que existia. Minha violência era contra a óbvia armadilha, eu estava gritando e eles não entendiam. E mesmo nas brigas mais violentas eu olhava para o meu oponente e pensava, por que ele está bravo? Ele quer me matar. Aí eu tinha que socar para tirar a besta de mim. As pessoas não têm senso de humor, elas são tão sérias a respeito de si mesmas.

Em algum lugar, e eu não tenho idéia de onde vem, eu pensava, talvez eu devesse ser um escritor. Talvez eu possa escrever as palavras que eu não li, talvez fazendo isso eu consiga tirar o tigre das minhas costas. E assim comecei e décadas passaram sem muita sorte. Agora, eu era um escritor louco. Mais quartos, mais cidades. Eu afundei e afundei. Congelando uma vez em Atlanta em uma barraca de papelão, vivendo com um dólar e vinte cinco cents a semana. Sem encanamento, sem luz, sem aquecimento. Congelando com minha camisa californiana. Uma manhã eu achei um pedaço de lápis e comecei a escrever poemas nas margens de velhos jornais no chão.

Finalmente, aos 40, meu primeiro livro foi lançado, um pequeno livro de poemas, ‘Flower, Fist and Bestial Wail’. O pacote de livros chegou pelo correio e eu o abri e aqui estavam os livrinhos. Eles se esparramaram na calçada, todos os livrinhos, e eu me ajoelhei sobre eles, estava de joelhos, e peguei um ‘Flower Fist’ e beijei. Isso foi há trinta anos atrás.

Ainda escrevo. Nos primeiros quatro meses deste ano eu escrevi 250 poemas. Eu ainda sinto a loucura me atravessar, mas ainda não tenho a palavra do jeito que a quero, o tigre ainda está nas minhas costas. Eu vou morrer com aquele filho da puta nas minhas costas, mas eu lutei. E se há alguém louco o suficiente para querer ser um escritor, eu diria para continuar, cuspir no olho do sol, acertar o principal, é a melhor loucura, os séculos precisam de ajuda, os tipos gritam por luz e apostam na alegria. Dê isso a eles. Há palavras suficientes para todos nós.

Texto traduzido por Douglas Kim e colado do blog de Mário Bortoloto (link no título)


O Captain! My Captain!

by Walt Whitman

I.

O captain! my captain! our fearful trip is done;
The ship has weathered every rack, the prize we sought is won;
The port is near, the bells I hear, the people all exulting,
While follow eyes the stead keel, the vessel grim and daring.

But O heart! heart! heart!
O the bleeding drops of red!
Where on the deck my captain lies,
Fallen cold and dead.

II.

O captain! my captain! rise up and hear the bells;
Rise up! for you the flag is flung, for you the bugle trills:
For you bouquets and ribboned wreaths, for you the shores a-crowding:
For you they call, the swaying mass, their eager faces turning.

O captain! dear father!
This arm beneath your head;
It is some dream that on the deck
You've fallen cold and dead.

III.

My captain does not answer, his lips are pale and still;
My father does not feel my arm, he has no pulse nor will.
The ship is anchored safe and sound, its voyage closed and done:
From fearful trip the victor ship comes in with object won!

Exult, O abores! and ring, O bells!
But I, with silent tread,
Walk the spot my captain lies
Fallen cold and dead.

To Have Done Nothing

No that is not it
nothing that I have done
nothing

I have done

is made up of
nothing
and the diphthong
ae
together with
the first person
singular
indicative
of the auxiliary
verb
to have
everything
I have done
is the same
if to do
is capable
of an
infinity of
combinations
involving the
moral
physical
and religious
codes
for everything
and nothing
are synonymous
when
energy in vacuo
has the power
of confusion
which only to
have done nothing
can make
perfect

Willian
Carlos Williams
(From "Selected Poems" ed. Charles Tomlinson)

segunda-feira, outubro 10, 2005

Hoje a hipocondria é minha melhor poesia

Pois é. Tenho a mania de revelar o que não penso e pensar o que não revelo porque da dor ando correndo léguas mas não adianta: ela sempre me alcança e nunca sangra, apenas quer por nos meus dedos sua aliança. Hoje a hipocondria é minha melhor poesia. Tomo diclofenaco de sódio contra as dores das porradas que levo nos butecos, terebentina para amolecer a tinta do fígado e anabolizantes para o cérebro das meninas (wrong).

Teoria do Caos


não estremeça o tempo
com as asas da borboleta
quem sacode o vento
não pode estar por perto

ai do fogo que queima a água
quando abre por dentro

Uma certa Alice


1 - sons de berimbau e pau oco na ribeirinha do cosmos
2 - estalos de mangue (tambarutaca) píus e chiados dos ventos íris normal no olho da galáxia
3 - silêncio de estrelas não é de sono ou solidão quando amanhece do outro lado
4 - se estende seus raios quaisquer a natureza e suas eqüidades em lâmina pares no(a) soma
5 - é apenas prelúdio corporal manifesto (um gole a mais) e labirintite
6 - pois toda a sinfonia ainda está para ser do caos a mais perfeita plerose
7 - quem ainda carrega as pedras de Sísifo?

poetendo

Clangores de metal e couro
gente mandraca
mandinga de ouro

quinta-feira, outubro 06, 2005

Interrupção voluntária da lucidez

Sem o limiar da alma,
permanecemos límpidos, como lençóis de cloro subterrâneos,
pálidos, ainda no instante em que surpreendemos
uma ponta do susto original que nos separa da pedra, do vento
e da poeira sua simbiose.

Mas é por ser eu e não nós quem aqui pode ser,
que descubro e aceito a simbiose às coisas sempre aquém do limiar:
um momento de interrupção
que num momento me apaga e reconstrói.
Pensei ver-me desaparecer, fluir através do mundo
como se chamasse irmão ao chão que porventura pisasse.

Porventura, era antes o próprio chão quem me chamava irmão:
é difícil ver claro quando a alma se dissolve
e tão ténue é ela, que num instante tudo robotiza-se
e o estranhamento desta palavra é o seu próprio sentir-se
e um incomensurável espaço entre eu e nós faz-se.

Mas foi só um instante:
aqui, sempre soube que o nós tem de ser,
precisamente por só poder ser eu quem aqui pode ser.

bruno ribeiro de almeida

O jovem jogo do medo

sei o peso da noite
sei nada
sei o pó das peneiras
sei nada
o selo da madrugada
sei nada
o corte do meu açoite
sei nada
o rasgo da britadeira
sei nada
o seio da minha amada

se sei o pó dos livros
já está escrito
o cheiro da mandrágora
conheço o círculo
se sei qualquer cota
sei o vício
sei qual é a aposta
qual é o rito
o solo e a lira
o fado e o fato

sei nada
só sei qualquer coisa
abstrata
quando
danço
no fio
da espada

quarta-feira, outubro 05, 2005

Musa muito nua

a solidão é musa
que me acusa
de poeta
inspira ansiedades
que ardem
e não faz festas
perturba o sono
pactuando
pelas frestas
muito nua
a solidão ria
do que resta
da dor

No corpo



De que vale reconstruir com palavras
o que o verão levou
entre nuvens e risos
junto com o jornal velho pelos ares?

O sonho na boca, o incêndio na cama,
o apelo na noite
agora são apenas esta
contração (este clarão)
de maxilar dentro do rosto.

A poesia é o presente.

Ferreira Gullar

Tenzone


Será que as aceitarão ?
(i.é., estas canções).
como tímida fêmea perseguida por centauros
(ou por centuriões),
Elas já vão fugindo, urrando de terror.

Ficarão comovidos pelas verossimilitudes ?
Sua estupidez é virgem, é inviolável.
Eu vos imploro, meus críticos amistosos,
Não saiais por aí procurando-me um público.

Deito-me com quem é livre em cima dos penhascos;
os recessos ocultos
Já têm ouvido o eco de meus calcanhares
na frescura da luz
e na escuridão.

(tradução de Mário Faustino)

Ezra Pound

Spleen

Je suis comme le roi d'un pays pluvieux,
Riche, mais impuissant, jeune et pourtant très-vieux
Qui, de ses précepteurs méprisant les courbettes,
S'ennuie avec ses chiens comme avec d'autres bêtes.
Rien ne peut l'égayer, ni gibier, ni faucon,
Ni son peuple mourant en face du balcon.
Du bouffon favori la grotesque ballade
Ne distrait plus le front de ce cruel malade;
Son lit fleurdelisé se transforme en tombeau,
Et les dames d'atour, pour qui tout prince est beau,
Ne savent plus trouver d'impudique toilette
Pour tirer un souris de ce jeune squelette.
Le savant qui lui fait de l'or n'a jamais pu.
De son être extirper l'élément corrompu,
Et dans ces bains de sang qui des Romains nous viennent,
Et dont sur leurs vieux jours le puissants se souviennent,
Il n'a su réchauffer ce cadavre hébété
Où coule au lieu de sang l'eau verte du Léthé.

Charles Baudelaire

Quem ri quando goza


quem ri quando goza
é poesia
até quando é prosa.

Alice Ruiz

(sem destinatário vou)

Sem destinatário vou
vago pelas
brumas do passado
canso meus passos
pelo presente
e penso ganhar do futuro incerto
o código livre
e descoberto
            Jairo B. Pereira
Do livro: "O abduzido", Blocos, 1999, RJ

Acredito

Acredito
nas vozes
perdidas na mata
nos cantos
em comunhão
só pisando
aquela chão
só vendo
as formigas verdes
para acreditar
        Jairo B. Pereira

Do livro: "O abduzido", Blocos, 1999, RJ

terça-feira, outubro 04, 2005

A Idéia

Augusto dos Anjos


De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!
Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica ...

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica.

Todas as cartas de amor...

Fernando Pessoa

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvaro de Campos, 21/10/1935
Os versos acima, escritos com o heterônimo de Álvaro de Campos, foram extraídos do livro "Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 399.

Assim fiz o mundo

Assim fiz o mundo
soletrando pensares
imaginando atômicas reações
(o prazer do novo
é apodrecer o velho)
: ondas dos raios
são setas gnosio morpho
e axiológicas intensões
Assim fiz o mundo
digitando estrelas
em flash on line
armando teias no msn
tecendo redes de solidão
defronte a espelhos foscos
imundos prazeres
amém

Nasc er

eu
quis nascer
poesia
lembro nitidamente
pássaro no dia
eu
sob o sol
sem espelhos
as cores
da minha aldeia
e a lucidez
de menino

segunda-feira, outubro 03, 2005

Extinção

ajuda
dizer
não ajuda
dizer não
ajuda
dizer
não

Absinthium

(para ler normalmente,
de trás para frente,
de baixo para cima,
de cima para baixo)

a dor de tudo sinto

nos ossos a de ontem

nos poros a de amanhã

sinto a dor de tudo

a de ontem nos ossos

a de amanhã nos poros

Umbigo cósmico

Faz tempo que não me visito
esqueci a pedra de Sísifo
lá embaixo, onde não existo
e aqui em cima onde encismo
no prelo da idéia

Que o tempo mede o limo
não a névoa da vista
ou a vida
ou a vida
insisto

Engolindo sapos venenosos

nada como uma piada atrás da outra
ria enquanto o vento venta a chuva chove e o pescoço gira
porque mundos são tantos e nenhum inside
sobre o lide
agora mesmo pisca o pisca-pisca
no fuso-horário
do crisol
alquímico
as tolas experiências empíricas
olvidaram o espírito pleno
e os sapos são meras filosofias

Permuta Capitalística

Erly Welton Ricci

fume um cigarro socialmente responsável
adere ao big brother's style
junte-se aos web insiders
e orkutmaníacos
salve o mundo da raça de miseráveis
exlua mais um incapaz de ter
aí, então
poderá peidar
na coca dos outros